Violência contra médicos sobe 68% em dez anos; enfermeiros também são vítimas: 'Trabalho com medo de ser o próximo esfaqueado'

  • 13/07/2025
(Foto: Reprodução)
Profissionais relatam agressões físicas e verbais dentro de unidades de saúde. Conselho Federal de Medicina diz que categoria tem sido responsabilizada por falhas no sistema. Violência contra médicos cresce 68% em 10 anos; enfermeiros também são vítimas "Meu marido falou: um dia eu vou buscar o seu corpo no seu trabalho", desabafa Karina Valverde, de 45 anos, técnica de enfermagem agredida pela acompanhante de uma paciente em um hospital na zona oeste de São Paulo. O episódio ocorreu quando ela e uma colega tentaram organizar o fluxo de acompanhantes dentro da sala de medicação. Após uma discussão, Karina foi agredida com arranhões, socos e tapas pela filha da paciente. "Não tinha ninguém para me ajudar. O segurança é patrimonial, não interfere nesses tipos de caso. A médica do plantão também havia sido agredida dias antes", conta. A história de Karina é mais uma entre milhares que se multiplicam em consultórios, prontos-socorros e unidades básicas de saúde em todo o Brasil. A violência contra profissionais da saúde cresceu exponencialmente na última década. Casos de violência contra médicos aumentaram 68% em dez anos, segundo levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) obtido pelo g1. Só em 2024, foram registrados 4.562 boletins de ocorrência, o maior número da série histórica. Isso significa que 12 médicos são agredidos por dia no país. Enfermeiros também são vítimas: um levantamento realizado em 2023 pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) revelou que 80% dos profissionais de enfermagem no estado já foram vítimas de agressões no ambiente de trabalho. No Distrito Federal, outra pesquisa aponta que 82,7% dos enfermeiros ou técnicos já sofreram violência física enquanto trabalhavam. Técnica de enfermagem foi agredida durante atendimento em SP O caso de Karina aconteceu em maio e ela está afastada do trabalho desde então, com síndrome do pânico e ansiedade. “Volto [de licença] na próxima semana e já estou ansiosa. De tanto pânico e ansiedade, tive alopecia, meu cabelo caiu todo. Faço tratamento psicológico, mas sigo muito assustada.” "Todo plantão é assim: trabalhamos sob ameaça. Dizem que atendemos com 'cara feia', mas é medo mesmo. Medo de morrer", diz Karina. Concursada, ela está afastada de dois empregos devido aos ferimentos e abalo emocional. “Meu filho me viu chegar em casa e chorou tanto… Dizia: ‘não acredito que a senhora foi trabalhar e voltou desse jeito’.” Karina Valverde, técnica de enfermagem, foi agredida por acompanhante de paciente durante o trabalho Arquivo Pessoal 'É comum, virou parte do trabalho' A médica Júlia Alves*, que pediu para não ser identificada, atua em um pronto-socorro infantil em Guarapari, Espírito Santo. Ao g1, ela diz que a exaustão emocional virou rotina. "As agressões verbais são diárias e normalizadas", conta. Em um dos plantões, ela levou um soco no rosto de uma mãe que exigia atendimento imediato para o filho. Ela relata o mesmo problema de Karina: o segurança do local era só patrimonial. "Ele estava ao meu lado e não fez nada." Seguranças patrimoniais têm a função de proteger o patrimônio do hospital. Segundo o CFM, quem pode agir em casos de violência é a Guarda Civil Metropolitana (GCM) ou a polícia. Não há profissionais de segurança pública nas unidades de saúde. Na maioria das vezes, os médicos agredidos optam por não denunciar. "Fiz boletim de ocorrência e exame de corpo de delito, mas escolhi não seguir com processo judicial. Seria um transtorno", afirma Júlia. Em Goiás, o médico Pablo Henrique de Araújo Leal, de 27 anos, foi agredido com socos pelo marido de uma paciente que morreu na Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Segundo a Polícia Militar, o suspeito acredita que o médico foi negligente ao atender a esposa dele e, consequentemente, permitiu que ela morresse. Cabelo de Karina caiu por estresse após agressão em hospital Arquivo Pessoal Todos os entrevistados para esta reportagem consentem que há, pelo menos, uma agressão – verbal ou física – todos os dias no ambiente em que trabalham. "Já levei tapa no braço, tive que correr e me trancar em uma sala porque um pai queria me agredir", relata Expedito Bezerra Barbosa Júnior, médico de um pronto-socorro infantil em São Paulo. “O medo hoje é real. A gente trabalha com receio de ser o próximo a ser esfaqueado.” Expedito, que atua tanto em unidades públicas quanto privadas, chama atenção para o esgotamento estrutural do sistema. “Os bons profissionais não querem mais os plantões. A maioria dos hospitais públicos – e alguns privados – não tem recursos o suficiente para o paciente. Faltam médicos, falta estrutura", ele diz. O problema vai além da segurança física. Segundo o médico e diretor do Conselho Federal de Medicina (CFM), Estevam Rivello, os profissionais da saúde têm sido responsabilizados por deficiências estruturais do sistema. “Quando não há médicos suficientes, medicamentos ou exames, o profissional é culpado pela falha de gestão”, afirma. A falta de triagem adequada, segurança especializada e infraestrutura agrava a situação. “A população está revoltada, com razão. Mas o alvo da raiva acaba sendo quem está na ponta”, diz Expedito. Expedito Bezerra Barbosa, médico de pronto-socorro infantil Arquivo Pessoal “Arremessou a receita na minha cara” A médica geriatra Juliana Arlati, 48, também coleciona episódios de violência. Em um dos casos, um acompanhante amassou a receita médica que ela havia acabado de entregar e a lançou contra o rosto dela. O motivo: ele não concordava com o diagnóstico dado à mãe, que havia acabado de sair de uma internação psiquiátrica. "Expliquei que o resultado do exame era compatível com alterações esperadas para a idade dela, mas ele queria ouvir que a mãe tinha demência. Quando não dei a resposta que ele esperava, fui agredida", relata. “Fiquei assustada. Não sabia o que ele poderia fazer depois. Naquele momento, me senti completamente indefesa. Não tem via de escape. Me vi presa com alguém que poderia me machucar.” O medo de novas agressões fez Juliana repensar a profissão. “Já atendi criança com amigdalite, e o pai achou que algo grave tinha acontecido. Ele deu uma ‘voadora’ na porta do consultório e gritou: ‘a culpa é sua’. A Polícia Militar me disse para não denunciar, porque ele poderia perder o emprego.” Segundo o diretor do CFM, a popularização de vídeos nas redes sociais e a facilidade de expor profissionais online têm contribuído para o clima hostil. “A comunicação hoje amplifica os conflitos. Qualquer demora no atendimento vira roteiro para viralizar um vídeo.” O que dizem os dados Segundo o levantamento do CFM, São Paulo lidera os casos de agressão a médicos: 832 BOs foram registrados no estado em 2024. O Paraná fica em segundo lugar, com 767 ocorrências. Minas Gerais é o terceiro mais violento, com 460 boletins de ocorrência só no ano passado. Quase metade das vítimas são mulheres. A maioria das agressões acontece em prontos-socorros e UPAs. registro boletim de ocorrencia medicos Arte g1/CFM “Quando o médico é agredido, ele sai da assistência. E isso prejudica ainda mais o atendimento. A violência, nesse caso, vira um círculo vicioso. A população precisa entender que o médico não é o culpado pela má gestão”, reforça o diretor do CFM, Estevam Rivello. Rivello alerta, ainda, que o número é subnotificado, uma vez que muitos profissionais da saúde não registram boletim de ocorrência. "Eu amo o que faço, mas ser desrespeitada assim dói. A gente vai cuidar da mãe de alguém, e volta para casa machucada”, diz a técnica de enfermagem Karina. Em nota, o CFM diz que: “Para tentar conter a escalada da violência, o CFM apoia o PL 6.749/16, que agrava penas para agressões contra médicos durante o trabalho [o projeto de lei foi aprovado na Câmara em maio de 2025 e seguiu para o Senado]. A autarquia também articula a criação de delegacias especializadas em crimes contra profissionais da saúde e prepara uma resolução que obrigará os diretores técnicos a notificarem a polícia sempre que houver uma agressão”.

FONTE: https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/07/13/violencia-contra-medicos-sobe-68percent-em-dez-anos-enfermeiros-tambem-sao-vitimas-trabalho-com-medo-de-ser-o-proximo-esfaqueado.ghtml


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